Pelo Conselho de Organização
Esta semana se celebra os 65 anos da proclamação em Adis Abeba, na Etiópia, do chamado “dia de libertação africana” ou “dia de África”, que marca a fundação da Organização da Unidade Africana, tornando a data de 25 de maio numa referência simbólica dos objetivos estratégicos e políticos dos Movimentos Pan-Africanos. Igualmente, se celebra neste mesmo mês os 60 anos do “Maio de 68”. Sobre este último, ainda se discute se foi realmente uma revolução, revolta ou um episódio na evolução natural da história. Não obstante, tomamo-lo como um episódio memorável da luta anti-imperial, como o foi a luta pela libertação nacional dos povos africanos. Admitimos, igualmente, que ambos os episódios se interligam e se enquadram num processo ainda em curso com alcance global. No caso africano, que é o que aqui nos interessa, observamos que as estruturas (materiais, simbólicas e psíquicas) da escravatura e do colonialismo continuam bastante presentes, influenciando a vida dos africanos e seus descendentes ao redor do mundo.
Esta semana se celebra os 65 anos da proclamação em Adis Abeba, na Etiópia, do chamado “dia de libertação africana” ou “dia de África”, que marca a fundação da Organização da Unidade Africana, tornando a data de 25 de maio numa referência simbólica dos objetivos estratégicos e políticos dos Movimentos Pan-Africanos. Igualmente, se celebra neste mesmo mês os 60 anos do “Maio de 68”. Sobre este último, ainda se discute se foi realmente uma revolução, revolta ou um episódio na evolução natural da história. Não obstante, tomamo-lo como um episódio memorável da luta anti-imperial, como o foi a luta pela libertação nacional dos povos africanos. Admitimos, igualmente, que ambos os episódios se interligam e se enquadram num processo ainda em curso com alcance global. No caso africano, que é o que aqui nos interessa, observamos que as estruturas (materiais, simbólicas e psíquicas) da escravatura e do colonialismo continuam bastante presentes, influenciando a vida dos africanos e seus descendentes ao redor do mundo.
A educação foi um dos pilares tomado
como crucial no processo da dominação imperial-patriarcal-colonial. Convencidos
das limitações da dominação física, os colonizadores investiram desde sempre no
projeto de “lavagem cerebral” e do “branqueamento” dos sujeitos colonizados
enquanto forma de perpetuar a sua dominação simbólica mesmo depois das
independências jurídicas. Neste sentido, o projeto de ensino superior
(incluindo nesta esfera a pesquisa científica e tecnológica) ganha relevância.
Odair Barros Varela, numa publicação datada de 2004, aponta os mecanismos
pós-coloniais de colonização intelectual dos futuros quadros cabo-verdianos nas
universidades portuguesas e mais tarde, numa outra publicação, centrada na
crítica às ciências sociais produzidas nas ilhas, denuncia a tendência destas
estarem, juntamente com o projeto universitário cabo-verdiano, cativas dos
formalismos coloniais.
Olhando para o projeto do sistema do
ensino superior cabo-verdiano, tendo a sua base lançada em 1979 e revista em
1990, é a partir dos anos de 2000 que se dá a proliferação das instituições
universitárias. Em 2016, almejando a
internacionalização e o reconhecimento universal dos graus académicos
conferidos pelas instituições do ensino superior nas ilhas, aprovou-se a Lei n.
121/VIII que estabelece as bases para a criação de uma Agência Reguladora do
Ensino Superior e propôs-se a harmonização do ensino superior em Cabo Verde com
o chamado modelo de Bolonha, aproximando “o sistema educativo nacional
aos patamares almejados e em experimentação a nível internacional,
designadamente na Europa, por forma a, designadamente, assegurar as vantagens
da mobilidade e do sistema de créditos para efeito das equivalências de
formação e qualificação a nível internacional, de modo mais abrangente
possível”.
Esta visão da política educacional, que
tem como base orientações da União Europeia e, por conseguinte, não resultarem propriamente
de uma reflexão endógena, visa também acoplar a política para a ciência,
tecnologia e inovação do país ao programa europeu de ciência, tecnologia e
inovação conhecido como Horizonte 20/20. Ou seja, transformar (ou continuar)
Cabo Verde numa espécie de colónia científica, tecnológica e epistemológica
europeia em África e, indiretamente, reforçar a sua balcanização através de
financiamentos de projetos de pós-graduação sobre a integração regional africana.
Por outro lado, a ênfase colocada
nas ciências ditas exatas, ignorando propositadamente as ciências sociais e
humanas, relegadas para o segundo plano, visa ir ao encontro de forma acrítica
às recomendações do Banco Mundial e do seu projeto de “americanização” do
sistema do ensino superior nacional com vista à criação daquilo que alguns
autores têm denominado de “capitalismo académico”.
Diante deste cenário, é
importante realçar que historicamente as universidades têm sido um local
privilegiado de produção e transmissão de conhecimentos, baseado num modelo de
racionalidade científica totalitária, visto que nega o carácter racional e
científica das outras formas de conhecimentos que não seguem os seus princípios
epistemológicos e regras metodológicas.
Atualmente, o sistema de
ensino superior, em particular os africanos, que na prática tem funcionado como
departamentos universitários euro-norte-americanos em África, têm reproduzido e
preservado a colonialidade de poder e de saber. Colonialidade que tem
garantido, por um lado, a dominação (política, econômica, militar, cultural e
epistemológica) das potências ocidentais e, por outro, a miséria, a
balcanização, o genocídio e a deseducação do povo africano que, até
recentemente, se encontrava sob domínio colonial.
A insistência em aproximar a
política científica cabo-verdiana ao modelo euro-norte-americano, a nosso ver,
castra qualquer tentativa de desenvolvimento de uma agenda
endógena de conhecimento que garanta um acelerar de descolonização de práticas
epistemológicas. Neste sentido, revisitando Jean-Marc Ela, temos a salientar
que o que se espera do pesquisador e sujeito africano é a busca de outros
horizontes epistemológicos de forma a evitar uma crise de olhar e de construir
uma abordagem apropriada à situação atual das sociedades africanas.
A fuga deste desígnio consiste,
logo, em recusar a reprodução de discursos institucionais, que normalmente
carregam marcas coloniais, libertando o pesquisador dos bloqueios epistemológicos
espelhados nas lógicas de consultorias financiadas pelas Agências
de Ajuda ao Desenvolvimento, que transformam o continente africano num imenso
laboratório de experimentação euro-americanas e cobaias da investigação dos
países industrializados.
Assim, mesmo dominadas
pelo neoliberalismo e pelo racismo epistêmico, várias têm sido as formas de
transgressão forjadas no interior e nos arredores das universidades africanas
e/ou frequentados por africanos e seus descendentes. Dentre elas podemos
destacar as tentativas/pressões no sentido da descolonização dos curricula ou
até mesmo das universidades, na forma como elas ainda se apresentam.
Exemplos
disso podem ser observados em várias campanhas populares protagonizadas por
jovens na África do Sul, como o caso de #RhodesMustFall#
ou numa universidade ganesa, onde se pressionou (e se conseguiu) pela retirada
de uma estátua do líder indiano, Mahatma Gandhi, sem esquecer as experiências
levadas a cabo em Portugal pela Plataforma Gueto, que através de um espaço
informal denominado Universidade, regularmente se promove discussões
intelectuais e políticas. No contexto cabo-verdiano, fora do muro universitário
formal, espaços de discussão informal de conhecimentos em que se destacam Djumbai Libertariu, Skola d’Afrika e Bantaba
Umoja, seguem essas tendências. Trata-se, regra geral, de um conjunto de
ações construídas num contexto de lutas contra-coloniais permanentes, sendo
elas mesmas sintomáticas de um desejo radical pela mudança da forma como as
instituições, particularmente as educacionais, ainda operam, sobretudo no
continente africano.
Contudo, não
obstante estas tentativas e iniciativas, persistem dúvidas acerca de uma real
descolonização das universidades e, consequentemente, da produção e promoção de
conhecimentos, de forma a que se valorize os sistemas de conhecimentos
africanos com vista a que se possa alcançar definitivamente uma Renascença
Africana. Falamos de uma realidade que diferente dos projetos nacionais e
regionais forjadas no seio de uma conceção berlinista e balcanizadora dos micro-Estados
neocoloniais, assume a missão de uma libertação total de África e a reconquista
da dignidade de todos os africanos em todo o mundo.
É neste contexto que surge a ideia de
organizar a Universidadi Nhanha Bongolon,
enquanto proposta epistemológica e política pensada e projetada a partir de um
conjunto de sujeitos e coletivos africanos, intervenientes em Cabo Verde, que
concordam acerca da necessidade de se criar um espaço informal e horizontal de
discussão teórico-prática, em que seja possível promover e compartilhar
práticas e saberes emancipatórios. Contrariamente aos formalismos crónicos, por
vezes estéreis, das instituições universitárias neocoloniais a atuar em Cabo
Verde, a Universidadi Nhanha Bongolon ambiciona
construir possibilidades de diálogo entre os vários campos de conhecimento, de
modo a que a realidade sociopolítica local, regional e internacional seja
percecionada de forma mais ampla e complexa.
Artigo publicado no Santiago Magazine e versão pdf.
Artigo publicado no Santiago Magazine e versão pdf.